Introdução à Astrologia Alquímica
- Luís Resina
- 31 de ago. de 2024
- 11 min de leitura
Astrologia, Arquétipos e Sincronicidade
A passagem do inconsciente pessoal e coletivo ao consciente organiza-se e estrutura-se em função de arquétipos, princípios ou formas inteligíveis.
Se partirmos da antiguidade mitológica cada deus e cada planeta exercia uma função ou um modelo específico no seio de um organismo mais vasto.
A visão sistémica e os ciclos da temporalidade estão presentes e representados nas diversas cosmogonias, religiões, culturas e tradições espalhadas pelo nosso globo.
A história esfuma-se no tempo, as narrativas passam a lendas e estas tornam-se mitos com o decorrer das eras.
As duas irmãs da antiguidade clássica, a astrologia e a astronomia perduram ao longo dos tempos, porque quer uma quer outra, falam-nos do fenómeno do nascimento e da morte, ou seja, da vida.
A astronomia – trata do número, da quantificação, da classificação e da catalogação dos diversos epifenómenos do universo que conhecemos e temos acesso. Trata da medição dos ritmos, das frequências e sinais, juntamente com a astrofísica descreve uma visão científica (subordinada aos conceitos atuais) e objetiva do universo. A ciência oficial trata fundamentalmente da observação dos fenómenos a partir de conceitos lógicos estruturados que estão mais em afinidade com a linguagem do hemisfério esquerdo de cérebro.
A astrologia – trata essencialmente da questão do sentido, da correlação e do significado das ocorrências no mundo fenomenal e arquetípico, a linguagem típica do hemisfério direito; embora numa primeira fase da sua existência estivesse mais ligada à predição e à adivinhação pela sua estreita relação com o sistema de pensamento causa/efeito.
Nas primeiras observações dos astros que foram redigidas na civilização suméria, os antigos procuraram estabelecer uma relação de causa/efeito com os planetas, por exemplo: Marte o planeta atribuído à energia e à ação, seria o principal ativador das guerras, lutas e competições; mais tarde na cultura Helénica através da “Tradição Hermética” atribuído a Hermes Trismegisto, estabeleceu-se o princípio das analogias e das correspondências “assim como em cima, assim em baixo”. Foi a primeira visão do Cosmo como um Holograma, o homem o microcosmo refletia o macrocosmo. O princípio aqui passava a ser o da correlação e o da analogia e não o da causalidade. Com o findar da civilização helénica e o desastre multicultural das perseguições religiosas culminando no incendio da biblioteca de Alexandria, começamos a observar o aparecimento de uma astrologia de pendor mais dogmático e fatalista o qual se irá propagar por toda a idade média e período renascentista. Com o desenvolvimento progressivo do racionalismo a partir do século XVII mais as publicações de astrólogos propagandistas e fatalistas, que prognosticaram visões catastróficas do fim do mundo no século XVI, a astrologia foi perdendo a posição que outrora detinha. A divulgação destas previsões inconsequentes, juntamente com o reaparecimento da censura e da inquisição imposta pelos reinos católicos, a astrologia foi perdendo terreno e a sua imagem foi cada vez mais esquecida e desqualificada. No entanto, a nível cultural ela manteve-se viva por muitos nobres e artistas que se interessaram pela riqueza da sua linguagem simbólica e universal, e a sua inerente capacidade de integrar os diversos movimentos da psique humana e ordem cósmica. Após o século XVII temos de uma forma mais evidente a separação dos saberes tradicionais: a astronomia separa-se da astrologia, a química da alquimia, e a filosofia vai ficando cada vez mais racional até culminar nas correntes mais positivistas e materialistas do século XIX.
Na transição do século XIX para o século XX deu-se a conjunção de Neptuno e Plutão no signo zodiacal de Gémeos, um ciclo de relação entre estes dois planetas é sensivelmente 500 anos, o ciclo anterior tinha se dado no início do século XV também no signo de Gémeos, correspondendo ao dealbar dos descobrimentos marítimos com a expansão das trocas comerciais. Só que em pleno século XIX o planeta Neptuno já tinha sido descoberto, e isso significava que a sua energia ficou acessível a toda a humanidade de uma forma consciente ou inconsciente. A sua influência no inconsciente coletivo começou a fazer-se sentir ao nível do culto da imagem – a fotografia, este período está também em analogia com a fase do romantismo nas artes, aos primeiros passos que levaram ao aparecimento do cinema, ao renascer do interesse pela psicologia, pelo ocultismo, pela astrologia, pelo magnetismo e outras correntes menos racionais que foram entrando no ocidente pela intensificação das relações com a civilização oriental iniciada na fase dos colonialismos.
No segundo quartel do século XX com o desenvolvimento da astrologia humanista e transpessoal de Dane Rudhyar nos EUA, e a abordagem arquetípica de Carl Jung no campo da psicologia, mais as reflexões que advieram das descobertas da física quântica e da teoria da relatividade de Einstein, vemos surgir uma nova visão sistémica da realidade e uma nova filosofia de vida que se estende também à vanguarda de um determinado pensamento astrológico da época.
Assim, começa a aparecer uma vertente científica que realça a importância do sujeito, o individuo, o fator subjetivo, não só em determinados campos da ciência, mas também na área da astrologia psicológica em Inglaterra e na corrente da astrologia humanista nos EUA. A partir da teoria da relatividade de Einstein, e mais tarde com a teoria da indeterminação de Heisenberg, começou-se a constatar que a construção e a edificação do nosso destino leva também em conta o observador, o sujeito que participa e interfere na experiência, e isto faz com que a realidade, seja ela também moldada pelo cocriador da experiência! O que era essencial em certas áreas dos saberes tradicionais ganhou de novo uma outra expressão e dimensão, afinal, redescobriu-se uma ponte de ligação entre espírito e matéria tal como nos era apresentado por alguns físicos quânticos e por Einstein.
A partir daí temos uma nova abordagem da realidade e uma visão que se vai cada vez mais se afastando de todo o tipo de físicas mecanicistas e filosofias positivistas de pendor materialista herdadas do século XIX
As reflexões de determinados físicos/filósofos no século XX como David Bohm e Fritjof Capra entre outros, irão contribuir para a aproximação dos domínios do espiritual e do material.
Uma das grandes revoluções no campo da psicologia do século XX foi a introdução do conceito de Inconsciente Coletivo por Carl Jung, trazendo uma visão sistémica da realidade em que tudo se encontra conectado a tudo.
Servindo-se da linguagem dos arquétipos, Jung encontra a relação de como determinadas funções ou modelos agem no interior da psique, no seu livro: “Os Tipos Psicológicos” ele relaciona 4 funções básicas no seu modo extrovertido e introvertido que se assemelham aos 4 elementos da tradição clássica presentes na filosofia aristotélica, nos 4 humores da medicina em Paracelso, e nos 4 elementos da tradição astrológica, Jung designa-as como: intuição, pensamento, sentimento e sensação.
Na minha perspetiva, a sua inovação mais revolucionária foi a introdução do conceito de sincronicidade no seu sistema de pensamento, religando e articulando a física, a psicologia, a filosofia, a religião e os saberes tradicionais numa visão holística e sistémica em que cada parte interage com as restantes no seio do todo, construindo assim uma nova linguagem, em que a manifestação de um fenómeno passa a ter um outro valor para a consciência quando este se reveste de sentido e significado.
Então as coisas, os fenómenos mundanos, deixam de acontecer por acaso, como diria Einstein – Deus não joga aos dados - o acaso aparece aqui como um mero esquecimento da nossa condição essencial, uma perda de sentido, para passarmos nós a acontecer às coisas como diria Dane Rudhyar. No caso de Jung, este pressupõe que há uma predisposição inconsciente para atrairmos determinados tipos de experiência. E porque é que isso acontece, porque a alma veio à vida com um desígnio e muitas vezes o eu e a persona desconhecem essa intenção e tomam o comando na sua parte da história, abafando essa condição e interferindo nas linhas mestres do destino. A vida é em muitas circunstâncias controlada meramente por emoções e mente instintiva que são partes constituintes do eu.
Resumindo, temos em ação a lei da atração: atração por identificação, semelhante atrai semelhante e atração/repulsão por diferença – oposição/complementar.
Através do plano do consciente efetuamos as nossas escolhas e definimos metas e prioridades, através do inconsciente penetramos nas áreas do desconhecido e atraímos experiências que reverberam com as nossas necessidades de vivenciar a esfera dos desejos, desde os mais instintivos até às mais altas aspirações anímicas e transcendentais.
O fenómeno da sincronicidade acontece sempre que identificamos um conteúdo da psique que espelha uma necessidade inconsciente, ou quando encontramos um arquétipo que nos coloca em ressonância com a dimensão do plano da nossa alma que necessita de ser expresso, vivenciado e reconhecido por nós.
Temos assim, determinados tipos de experiência que vão desde os encontros místicos como a vivência do sagrado, à simples experiência da transmissão do pensamento à distância, vulgo telepatia, por exemplo: – estava agora a pensar em ti quando me ligaste.
Em astrologia, acontece o mesmo, quando deparamos com um arquétipo: neste caso um signo, uma casa astral, ou um planeta ativado por um trânsito planetário, por exemplo: uma conjunção ou uma oposição de um planeta transpessoal (Úrano, Neptuno ou Plutão) sobre a nossa Vénus natal, sabemos que alguma coisa vai acontecer ou ser alterada em termos de valores pessoais, relacionamentos e formas de valorização, provavelmente mudanças na nossa atitude em relação ao prazer e ao bem-estar pessoal. O pendor determinista só existe em termos arquetípicos, ou seja, este está inserido numa estrutura aberta, e a forma de como iremos viver ou atrair essa experiência é absolutamente subjetiva, esta irá sempre depender da relação existente entre a personalidade e a alma, das lições a serem adquiridas, e do exercício de liberdade que iremos efetuar no trajeto. A relação que iremos ter com o tempo e com o espaço pode ser realizada de uma forma rápida, lenta ou repetitiva. As aprendizagens imediatas derivam da compreensão do fenómeno da sincronicidade, pela consciencialização do que estamos a atrair para a nossa vida. Neste caminho colocam-se certas questões: estou realmente a atrair aquilo que preciso para ser cada vez mais eu e mais completo? Quando atraio um determinado tipo de limitações e dificuldades é para perceber o que devo realmente mudar em mim? A velocidade da aprendizagem depende da nossa compreensão, e aqui surge o lema de que aprendemos pela via do conhecimento ou do sofrimento, e isso começa a fazer sentido.
E assim entra a questão do sentido e do significado que damos às coisas, a validação de certas vivências e experiências pode implicar novas direções de vida e metas existenciais.
A Astrologia é a linguagem que melhor exprime na prática o que é a atração sincrónica, em função do movimento do arquétipo, ela estabelece a relação espaço/temporal com a perceção do sujeito. Nesse sentido, os astros inclinam mas não obrigam, e tudo é vivido em função daquilo que precisamos de aprender e de integrar. O desastre (mover-se contra a corrente) só acontece, porque já não conseguimos nos sintonizar com a ordem natural das coisas. O sentido de responsabilidade advém da forma como conduzimos e gerimos as linhas mestres do destino
A influência astral ao nível do homem comum estende-se sobretudo ao domínio biológico, passando pelo plano emocional, e mental instintivo. Ao nível do plano espiritual a influência astral funciona de uma outra forma, dado que o ser neste plano está mais aberto e receptivo às influências cósmicas ativadoras dos centros superiores conhecidos no oriente por chacras ou centros energéticos. Estas energias exprimem-se em frequências mais altas, e são recepcionadas por aqueles que vibram nos centros energéticos acima do plexo solar.
Para a astrologia humanista e transpessoal a questão fundamental e central é o da consciência - o que é que o eu faz com todo o conhecimento adquirido na sua relação com a temporalidade ao longo da sua existência.
Um trânsito astral ou uma direção transmite e impregna uma certa quantia e qualidade de movimento de energia na psique, mas a forma como lidamos e integramos essas experiências dependem da evolução anímica e cultural e da disposição física, mental e emocional do sujeito. Outra questão essencial é o modo como lidamos com o plano existencial, religioso e ético. Por exemplo, se estamos afetado por alguma patologia, doença ou insuficiência que não nos permita ser quem somos, a dependência e o vício tornam-nos prisioneiros de nós próprios.
Nesse âmbito, o trabalho de Jung é primordial na forma como abordou a relação com a Sombra (os conteúdos inconscientes não integrados na personalidade), não se chega à Luz sem se passar pelo processo de individuação, e isso implica todo um processo que passa pela alquimia do Ego e pela integração das nossas sombras. A perceção da forma como estas assumem por vezes o controle da personalidade é fundamental para percebermos todos os tipos de patologias e desequilíbrios gerados na psique. O caudal de energia psíquica liberado pela Sombra é essencial para lidarmos com o processo alquímico da psique na transformação da sombra em luz, este caminho encontra-se simbolizado na função transcendental da psicologia de Carl Jung – a função que medeia e integra a função superior (o domínio consciente) e a função inferior (o domínio inconsciente).
Na psique temos a representação do inconsciente coletivo, do inconsciente pessoal, do subconsciente, do consciente e do supra consciente.
A astrologia humanista e transpessoal ajuda-nos melhor a conhecer essas partes na sua relação com o tempo e o espaço - há planetas e áreas de vida mais conectadas com o passado, há outras que se relacionam mais com o presente e outras com o futuro, o processo do vir a ser.
Na astrologia alquímica Junguiana temos determinados tipos de símbolos planetários que nos ajudam a lidar com o eu, com as diversas personas e com o caminho do ego em direção ao Ser (Self). Quando falamos do Ser ou Self, falamos de vida espiritual, da percepção de estarmos centrados na nossa consciência individual ao mesmo tempo que estamos abertos e coparticipamos de toda a dinâmica sistémica, começando pelas raízes do ser: família, bairro, país, continente, planeta, sistema solar, galáxia, universo.
Os três modos do tempo e do ser:
1) Inconsciente e subconsciente – ligação ao passado, às raízes do ser
2) Consciente – momento presente, o equivalente ao “aion” grego, a eterna presença
3) Supraconsciente – o futuro, o processo de vir a ser.
Pontos a reter do legado de Carl Jung para a astrologia
SINCRONICIDADE E CAUSALIDADE
No século passado no final dos anos 20, Carl Jung, começou a formular o princípio de "relação acausal", a que deu o nome de sincronicidade.
Nos debates com os físicos Niels Bohr e Albert Einstein, Jung percebeu que poderia encontrar a equivalência do átomo como a unidade básica do mundo físico em paralelismo com a psique do ser humano.
Ao fazer a analogia, Jung pensou que, se grandes quantidades de energia podiam ser libertadas rompendo-se a unidade elementar do átomo, quantidades equivalentes de energia poderiam também ser ativadas quando lidamos e mergulhamos nas profundezas da psique.
O que distingue a sincronicidade é que ela inclui tanto os fenómenos físicos (eventos) como os não-físicos (perceções, intuições), considerando-os em relação não-causal, porém significativa e em afinidade uns com os outros.
A causalidade foi vista por Jung como uma realidade estatística, não absoluta, constituindo uma hipótese de trabalho de como os eventos se desenrolam uns a partir dos outros, ao passo que a sincronicidade considera a coincidência de eventos no tempo e no espaço como significando algo mais do que mero acaso. O que acontece é que um ou mais eventos independentes irrompem no mesmo instante sem haver qualquer relação directa de causalidade, mas em simultâneo estão relacionados de um modo significativo. Temos assim o princípio subjacente a qualquer leitura oracular.
Sabemos que Carl Jung estudou e interessou-se por alguns saberes tradicionais como foi o caso do I Ching, da Astrologia, da Alquimia…
No caso da sincronicidade, existem duas situações em paralelo: uma representa a situação num determinado momento da vida de uma pessoa; o outro é o momento em que acontece simultaneamente algo que é significativo para a vida da pessoa.
No estudo dos ciclos astrais isto é muito comum, por exemplo uma pessoa está a ter uma progressão do Sol sobre Vénus, ou uma Lua progredida a passar na casa 7, ou um trânsito de um planeta exterior sobre a sua Vénus. As progressões indicam neste caso predisposição para relacionamento, um transito pode significar a possibilidade de um encontro, mas só a condição existencial do individuo mais as suas escolhas, sejam elas conscientes ou inconscientes é que podem desencadear a marcha dos acontecimentos. Nestes casos não existe uma relação causal direta e apenas encontramos um potencial não ativo, mas caso aconteça o enlace relacional, podemos dizer que o fenómeno da sincronicidade se manifestou no momento certo!
O princípio da correlação, da analogia ou da correspondência, estabelece o elo entre o mundo simbólico e as situações decorrentes no nosso dia-a-dia. O contexto literal e simbólico podem-se ligar quando a componente subjectiva e objectiva se encontram e todo o significado e o sentido que daí se possa extrair é fruto dessa simbiose.
Dane Rudhyar e Carl Jung trocaram correspondência entre si, as bases da astrologia humanista e transpessoal e a psicologia transpessoal junguiana bebem da mesma fonte e são transversais na sua forma e partilham da mesma linguagem.

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